A PROPAGAÇÃO DO NEO-ORIENTALISMO.
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A mídia constrói continuamente uma associação do Islã
com a instabilidade da guerra e a repressão,
criando um estereótipo falso.
com a instabilidade da guerra e a repressão,
criando um estereótipo falso.
É difícil imaginar em meio a onipresença do discurso atual, que há apenas três décadas atrás o Islã tenha sido uma preocupação marginal relegada à periferia da consciência ocidental.
Quando encontrávamos relatos na imprensa durante a guerra fria, era mais provável ser na figura do "mujahideen" enfrentando o "Império do Mal" no Afeganistão.
O Islã aparecia como um aliado benigno das forças da liberdade acampadas em Nova York e Londres.
O que, enfim, o trouxe para o centro das preocupações euro-americanas foram os eventos que ocorreram em 11/09.
O Islã se tornou uma questão local e globalizada ao mesmo tempo, transmitida em incontáveis imagens diárias por todo o planeta.
Desde então, raramente um dia passa sem que se ouça, leia ou assista relatos de algum evento aterrorizante com ligação muçulmana.
A presença das minorias muçulmanas nas capitais ocidentais complicou ainda mais as coisas, agravando a interação intricada entre o local e o global.
Os temores de uma ameaça muçulmana perpétua se sobrepôs a medos arraigados de imigrantes, diferentes, e estrangeiros.
EXPONDO A VERDADE
A cobertura do Islã se transformou em uma indústria especializada na engenharia de imagens, cenas e mensagens.
Em um mundo globalizado, governado pelo poder da imagem, a questão não é mais o que provocou o evento ou o incidente e como ele vem se desenvolvendo na prática, mas como ele é capturado pela câmera e retratado para os telespectadores, ouvintes e leitores em casa.
Alguns podem argumentar que a mídia apenas reporta o que já existe.
Contudo, as coisas não são tão simples no mundo real.
Para a lente nada é neutro nem objetivo.
Ela está sujeita a um conjunto de opções pré-definidas e a cálculos que decidem o que vemos e o que não vemos, o que saberemos e não saberemos.
A mídia não é um espelho refletindo o que está lá fora.
O seu papel não é a simples transmissão passiva, mas a criação ativa, a modelagem e a fabricação, através de um longo processo de seleção, filtragem, interpretação e edição.
Os braços ocultos que conduzem as rédeas de nossa mídia - as corporações gigantes da notícia e seus senhores - não são instituições beneficentes de caridade impulsionadas pelo amor à humanidade.
PARADIGMAS DA DIVULGAÇÃO
Dos 57 países da vastidão geográfica e cultural conhecida como o mundo muçulmano,
- alguns são ricos, outros pobres,
- alguns monárquicos, outros republicanos,
- alguns conservadores, outros liberais,
- alguns estáveis, outros menos,
- alguns têm mulheres presidindo o Estado, outros lhes negam mesmo o direito de voto,
- alguns oprimem em nome da religião, outros o fazem em nome do secularismo,
- etc etc etc
O que é misturado, complexo, diversificado e multi-facetado é trasmutado em uma superficialidade aplainada, rasa, sem profundidade, reduzido a um conjunto restrito de narrativas sobre terroristas sedentos por sangue, turbas aos berros, negros turbantes, mulheres espancadas e filhas enjauladas.
O mundo muçulmano se transforma num objeto silencioso que não fala. Mas que se fala por ele.
Um pano-de-fundo anônimo contra o qual se ergue o repórter enviado da metrópole.
Ele - 'o repórter enviado da metrópole' - é o agente de entendimento, aquele que decifra os misteriosos códigos dessa estranha entidade - 'o mundo muçulmano' - e revela seus segredos para nós: é aquele que lhe dá sentido, verdade e ordem.
Em nenhum lugar esse desejo por superficialidade e reducionismo é mais evidente do que nos relatos de conflitos no Oriente Médio.
Aos espectadores são oferecidos alguns poucos minutos durante os quais eles assistem e escutam descrições de destruição e fumaça, carros incendiados, corpos queimados, membros decepados, sangue e viúvas em prantos.
Sem nenhuma tentativa em explicar as causas subjacentes e as histórias das crises em questão, os relatos apenas embaralham ainda mais os mal-entendidos já existentes.
A confusão é tal que os papéis são invertidos frequentemente, confundindo vítima com agressor
PRISMAS DE PERCEPÇÃO
Tudo isso, vem sendo confirmado por vários estudos, como o realizado após a Intifada Palestina por Greg Philo e Mike Berry, do Glasgow University Group.
Os pesquisadores monitoraram horas de cobertura da BBC e ITV sobre a Intifada de 2002, analisaram 200 programas de notícias, e entrevistaram mais de 800 pessoas sobre suas percepções do conflito.
Os investigadores encontraram um nível alarmante de ignorância e confusão entre os espectadores, dos quais apenas 9% sabiam que os "territórios ocupados", foram ocupados por Israel, enquanto a maioria acreditava que os palestinos eram os ocupantes.
Isso não surpreende, dada a cobertura desequilibrada e sua tendência a obscurecer a verdade central do conflito:
- não nos dizem que mais de 418 aldeias palestinas foram destruídas em 1948,
- que os seus habitantes foram expulsos em centenas de milhares,
- que Israel estava em grande parte estabelecido pela força em 78% da Palestina Histórica,
- que, desde 1967, havia ocupado ilegalmente e imposto várias formas de governo militar sobre os restantes 22%,
- ou que em sua maioria os palestinos - mais de 8 milhões - vivem como refugiados até hoje.
Reportagens sobra a guerra do Iraque não se saem melhor.
O espectador é levado a pensar que os males do país estão enraizados na sede por sangue de seu povo e no seu amor pela auto-mutilação, com uma seita e/ou etnia obcecada pela destruição da outra.
Os estadunidenses surgem como mediadores benignos, cujo papel consiste em impor a ordem e prevenir os diferentes grupos de exterminar-se uns aos outros.
As causas do estado de caos permanente são cada vez mais varridas para baixo do tapete:
- o forte exército de 150.000 soldados enviado para invadir um país a centenas de quilômetros de distância;
- a destruição de sua infra-estrutura;
- a demolição sistemática de sua memória coletiva nacional;
- a profanação de sua herança cultural;
- a "montagem" de uma minoria étnica e de um sistema político baseado no sectarismo;
- a dissolução do exército a pretexto da dissipação da influência do Partido Baath;
- o armamento de uma facção contra a outra - primeiro o Peshmarga Curdo, em seguida as milícias xiitas a pretexto de "confrontarem o triângulo sunita" e, finalmente, as tribos sunitas de al-Anbar sob o pretexto de combaterem a Al Qaeda.
O que os noticiários não nos dizem é que os iraquianos continuam a sofrer não porque são árabes, muçulmanos, de pele escura, ou seguidores de uma cultura religiosa "inerentemente violenta", mas porque são vítimas de um jogo de poder impiedoso que os viu como pouco mais que insetos, criaturas inúteis para serem pisadas sem a preocupação de contar os mortos.
O Ocidente parece ter criado sua própria "máquina da verdade" em relação ao Islã, muçulmanos, árabes e Oriente Médio.
Através dela, as lentes são direcionadas e pequenas narrativas são produzidas e reproduzidas ad infinitum.
Os títulos e manchetes podem variar, mas eles retroconduzem a um estreito círculo de noções que define a sociedade muçulmana igualmente aos olhos tanto dos produtores quanto dos consumidores domesticados.
Noções que se resumem a violência, fanatismo, irracionalidade, emotividade, estagnação subordinação e despotismo.
Noções que são os pilares de uma ortodoxia que é popularizada pela mídia e sustentada por uma complexa rede de centros de poder e instituições.
Para desafiá-las alguém precisa abandonar o senso comum, se colocar na marginalidade, alinhar-se aos hereges e aos monstros de verdade.
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Soumaya Ghannoushi é uma escritora independente especialista na história das Percepções Européias do Islã.
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Seu trabalho tem aparecido em vários dos principais jornais britânicos, incluindo o The Guardian e o The Independent.
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Traduzido “rushly” (apressadamente) e “pigly” ('”porcamente'”)
por Guilherme de Alarcon Pereira
(insensato, marginal, herege e monstro; além de blogueiro sujo).
(insensato, marginal, herege e monstro; além de blogueiro sujo).
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Para que a paz esteja sobre nós, confira o original
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