quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A Maldição de Outros Faraós

No seu artigo “Repercussões da crise do Egito”, o jornalista Luis Nassif tocou na palavra mágica que responde a todas as perguntas sobre o Egito em relação ao Ocidente: Suez.

Eu acrescentaria, com meu insistente reducionismo frente aos problemas do mundo - limitado que sou pelas minhas inerentes limitações - alguns binários, no que tange a toda a região e, aliás, ampliando-a um pouquinho, indo do Vale do Indo até o Vale do... ORINOCO!

Até no devastado Ayiti vejo, não tão diretamente admito, alguma relação com a história em curso.

Isso porque, se o Cairo guarda as chaves de Suez, o Ayiti guarda as chaves do Canal do Panamá.

Se algum navio vem do Pacífico e cruza o Canal, tadinho, é como se não o houvesse cruzado, pois ele ficará encalhado em algum ponto daquele semicírculo esbranquiçado que vemos quando olhamos o Caribe em qualquer mapa.

A única passagem com profundidade possível, ontem e hoje e por muito tempo, fica seguindo, primeiro, entre Jamaica e Cuba e, em seguida, entre Cuba e Haiti.

Ninguém nunca se perguntou - nem eu o havia feito até há pouco - porque Guantánamo (construída num tempo em que não havia Revolución e Cuba era somente um "casino-prostíbulo yankee") fica tão longe de La Havana e tão defronte de Port-de-Paix (Ripiblik d'Ayiti)?

É para guardar todo o trânsito de riquezas (incluindo manter aberta uma rota alternativa para petróleo) que vai e vem do Pacífico e de e para a Costa Leste dos EUA.

  • ÓLEO & SANGUE

  • LOGÍSTICA & ARMAS

  • FEUDALISMO & "O FARDO DO HOMEM BRANCO"

Em minha humilde opinião, esses 03 pares de binários resumem a ópera, se não detalham a ópera inteira.

Não vejo em G. W. Bush nenhum monstro mas um "patriota" - dentro do que sua linhagem desde Thomas Jefferson acredita ser isso - um pouco mais honesto ou menos hábil na arte do cinismo.

Tudo o que acontece naquela vasta região tem, grosso modo, a mesma causa, objetivo e efeito.

Perpetuar e proteger os feudos de apoio (quase todos os países da região como Tunísia e Egito, incluindo alguns com grau maior de independência do Senhor Local - como no caso do Reino Hashemita da Jordânia) e principalmente "a qualquer custo e por todos meios" (esses termos foram usados ipsis litteris por vários Presidentes dos EUA) blindar as posses do Grande Senhor Feudal, a Família dos Saud, e os canais de escoamento do petróleo que jorra de seu imenso "sítio" através do Estreito de Ormuz pelo Golfo Pérsico e do Estreito de Aden (entre Iemen e Somália) até o Canal de Suez.

Existem outros caminhos logísticos como o complexo sistema de dutos nas imediações do Mar Cáspio mas, neste caso, sob a pena do confronto tête-à-tête com o outro não menos Império e não menos sedento, apenas não mais "Soviético" mas ainda Império, agora apenas chamado Russo.

Todos os outros discursos e motivações: Islão, fundamentalismo, democracia, autoritarismo, terrorismo, comunismo, capitalismo, direitos humanos, guerra fria ou quente, sionismo ou anti-sionismo etc etc são subjacentes, coadjuvantes ou, na maior parte dos casos, mera retórica vazia ou instrumentos diversionistas de propaganda.

Para muitos destes Senhores da Guerra, Israel é tão somente um imenso "paiol" estrategicamente localizado. Ou, por outra perspectiva, um eterno pomo-da-discórdia a embargar quaisquer projetos de unidade ou construção de um bloco regional.

George W. Bush já declarou aberta e insistentemente: "America is addicted to Oil" (Os EUA são viciados/dependentes de petróleo) e quase todos os Presidentes declaravam abertamente a necessidade de defender - “a qualquer custo e por todos os meios” - a Arábia Saudita e os canais de fluxo do Golfo Pérsico, inclusive militarmente, até que Saddam invadiu o Kuwait e estacionou tropas à fronteira do grande reservatório.

O Rei Fah'd Ibn Saud recebeu inicialmente a proposta de defesa da fronteira vinda do seu súdito Osama bin Laden enviado e patrocinado por ele e pelos EUA para conter o estabelecimento estável pela URSS de uma cabeça-de-ponte na fronteira do já não-feudo Irã.

Os EUA fizeram o possível e o impossível para que o Rei deixasse “We, US” cuidar do caso.

Mesmo reticente a tantos infiéis estacionados em solo sagrado, o Rei Fahd aceita o apoio desde que as tropas estadunidenses abandonassem o país assim que a ameaça cessasse.

E é por isso que os EUA, sem base de apoio suficiente, não invadem o Iraque à época.

É por isso que - ao ser ignorado, ao ver tantos infiéis em solo sagrado e, um pouco também, ao se transformar num ótimo bobe expiatório mercadológico terrorista inimigo - Osama bin Laden se torna um terrorista inimigo.

É por isso que se faz necessário uma base no Afeganistão e uma aproximação cada vez maior com os Emirados.

Finalmente se consegue tomar o Iraque.

Bem antes, entretanto, o povo estadunidense que, em geral, leva a sério os valores da sua Constituição que aprendem na escola, era contra uma "guerra por petróleo".

É ai que o discurso muda radicalmente em nome da "democracia, liberdade, direitos humanos" e assemelhados desde o Governo de "daddy/papai" Bush que assim consegue aprovar a "Tempestade no Deserto" (Golfo/Iraque I).

Tanto pelo Planejamento Estratégico de Defesa quanto de Energia legado pela administração G. W. Bush, temos em vista para os próximos 25 anos o que podemos chamar de doutrina da "Extração Máxima" que redunda na decorrente "Militarização Máxima" da região.

O vício em petróleo dos EUA começa há muito. Mas os EUA era de largo super-auto-suficiente.

A Europa não. Tanto que precisava do espólio Otomano mesmo quando o Óleo não parecia tão essencial assim e exorta os EUA a derrubarem o Primeiro-Ministro Mossadegh e destruir a democracia iraniana na Operação Ajax.

Mas os EUA abasteceram 6 de cada 7 gotas de petróleo usadas na 2º Guerra Mundial.

Se pudéssemos resumir em 02 expressões o como e porque o mundo conseguiu evitar o Reich de 1.000 anos, eu, pelo menos, resumiria - simploriamente, é claro: petróleo estadunidense e obstinação russa.

Mas o próprio Roosevelt, visionário, enxergou que como em toda dependência, chega o momento em que nem toda droga do mundo será suficiente e fechou seu pacto de “Sangue e Óleo” - na inusitada reunião (as imagens são muito interessantes) - em 14 de fevereiro de 1945, numa reunião com o Rei da Arábia Saudita (cercado de escravos).

E o momento chegou. Há muito, nem todo o petróleo do mundo – pelo menos árabe - é suficiente.

Hora de “nosotritos” começarmos a criar nossas barbas para colocá-las urgentemente de molho.

Desde que o Presidente ”New Deal” da Grande Democracia se viu cercado por escravos, oficialmente escravos (a escravatura na Arábia Saudita só foi abolida na década de 60 ou 70; se bem que o “Apartheid” brutalmente legalizado – quando “um negro do Sul não podia votar e um negro do Norte não podia ser votado” - somente começou a ser amenizado também na Grande Democracia também na segunda metade da década de 60) e selou seu “Newer 'Blood & Oil' Deal”, desde então a história prossegue, num espiral crescente e retroalimentador, ganhando ainda mais impulso com a queda dos Pahlevi no Irã e o início da doutrina Carter que cria o CENTCOM como principal comando militar dos EUA, para policiar exatamente Golfo, Eurásia e Africa do Norte, confinar e/ou subordinar os não-feudos (Iraque, Irã) evitar e/ou conter insurgências anti-feudais como as que vemos agora (Tunísia, Egito e outras que virão) e afastar os outros "bichos-com-sede": Rússia e, crescentemente, China.

Com relação a esta última e seus afro-movimentos e bem como ao potencial "oleaginoso" africano, já identificado então, observa-se a necessidade da criação do AFRICOM, que agora triangula do CENTCOM com o "nosso" SOUTHCOM, que ainda teve o reforço do reativamento da “velha e old” 4ª Frota.

No caso atual, o Presidente Obama, infelizmente, não pode fazer nada muito diferente.

Ele foi eleito para fazer diferente. Quando e se lhe for dado tomar posse, ele talvez até faça.

Mas quando se trata destes dois temas: energia e guerra (que são praticamente sinônimos naquele país) os abutres voando acima e os ratos conspirando nos porões mandam muito mais que o sujeito que pensa que está dormindo na cama de Lincoln.

Nem o Congresso, apesar de fazer parte, tem o mínimo domínio sobre a intricada teia.

Finalmente, o elemento "intangível" que, entretanto, vejo como grande motor ideológico a permitir todas as ações e a inacreditavelmente "vaselinar" toda essa sub-humanóide passividade planetária que trata com absurda naturalidade a perpetuação ora aqui ora ali, mas sempre em todo lugar, deste ou daquele "policial do mundo”, é a doutrina subjacente do "Imperialismo Civilizatório" que é bem representada pelo poema de 1899 de Rudyard Kipling feito, inicialmente para o jubileu da Rainha da Inglaterra, mas adaptado e ostensivamente divulgado e aplaudido - mais uma vez para aplacar o clamor anti-beligerante do povo estadunidense - como como um libelo, um cântico de louvor à invasão genocida dos Estados Unidos nas Filipinas:

Carregai o fardo do Homem Branco / Disseminai o melhor da vossa raça
Atai vossos filhos ao exílio / Para servir à necessidade de seus cativos
Para esperar sob pesadas armaduras / Por gentes agitadas e selvagens
Seus recém-capturados, carrancudos povos / Meio-diabos e meio-crianças.
(...)
Carregai o fardo do Homem Branco / Em paciência para suportar
Para disfarçar a ameaça do terror / E assistir ao espetáculo do orgulho [nascer]
Pelo discurso aberto e simples / Uma centena de vezes esclarecido
Para buscar o benefício do próximo / E preparar o progresso do outro.
(...)
Carregai o fardo do Homem Branco / As guerras selvagens da paz
Abastecei a boca do faminto / E ofertai contra a doença a cura
E quando vosso objetivo estiver mais próximo / O fim para outros buscado
Vereis a insensatez preguiçosa e pagã / Levai todas as suas esperanças ao ninguém.
(…)
Carregai o fardo do Homem Branco / E colhei vossa velha recompensa:
A censura dos que vós melhorais / O ódio dos que vós protegeis
O clamor dos anfitriões a quem vos conformastes /
(...)
(Ah, devagar!) em direção à luz:
"Por que ele nos libertou do cativeiro,
Da nossa amada Egípcia escuridão?"

É um discurso tenebroso.

Asqueroso. Repugnante. Nojento.

E eficiente. Tem sido.

Mas que mais do habitar seus criadores, ele vem nos habitando ainda a todos.

É o discurso que leva a democracia para o Iraque, os direitos humanos para o Irã.

É o raciocínio que inspirou todas as nefastas partilhas:

  • a partilha da África (ou: "A Sentença de Escárnio Plurissecular Permanente para um Continente Inteiro") - talvez, como "desagravo e reparação" pelo "Maior Escárnio Plurissecular da História Humana" ao qual o Continente já vinha sendo submetido há quatro séculos consecutivos pelo menos;
  • a partilha do espólio Otomano (por cujo vislumbre se fez a I Guerra Mundial que, por sua vez, é a mãe da II Guerra Mundial);
  • a partilha da Indochina (e do Extremo Oriente inteiro); e
  • a partilha das Américas e do espólio imperial espanhol (Filipinas, Guam, Cuba etc) repartidos entre os Estados Unidos e somente os Estados Unidos (Doutrina Monroe). 

Partilhas que definiram a maioria dos problemas que ainda vivemos até hoje (pelo menos os que acontecem entre Port-au-Prince no Ayiti, passando por Kinshasa no Congo, até a fronteira das Coréias).

É o discurso que traz a gestão eficiente para nossas empresas sob modelos que não são nossos, que premia por inovação empresas certificadas ISO, CMMI etc. Empresas que, por certo, são merecedoras de incentivo e prêmios: por padronização, modernização e muito mais – mas jamais por inovação, a menos que tenham desenvolvido um novo e melhor modelo de processos e passem a certificar os processos de outras empresas.

É o discurso do “não reinventar a roda”, um profundo desrespeito à Pirelli, Bridgestone, Firestone, Dunlop e tantas outras que a vêm reinventando há todo tempo o tempo todo.

É o discurso que faz – paradoxalmente – o marxismo europeu nos parecer libertador de tudo isso.

Mais socialista e socializador que as extremas formas de comunhão solidária que habitam entre nós há milênios vestidas – ou nuas – de Aymaras, Quíchuas, entre outros que estranhamos quando começam a governar países vizinhos.

É o discurso que nos faz desconhecer a quântica, a Teoria da Relatividade, a Teoria da Evolução que não enxergamos no Candomblé mas nos faz ver usos Freudianos para a Mitologia Grega sem que nos passe pela cabeça que Zeus, Odin, Oxalá, Oshun (Santería Cubana), Bondyié (Vodou Ayisien) são todos primos.

Até que chega um sociólogo francês abestado qualquer e se encanta com Patativa do Assaré para que, de repente, descubramos que sempre “o já tínhamos descoberto”.

É o discurso que faz de todas as nossas grandes conquistas - como a tecnologia que nos deu o pre-sal, como nosso reator nuclear com eixo subatritado sobre colchão eletromagnético, os aviões da Embraer, nossos biocombustíveis e muito mais – todas elas filhas de aventureiros corajosos que todos foram tratados a pontapés e chamados de delirantes dementes malucos por nós mesmos seus herdeiros beneficiários.

É o mesmo discurso que me faz indignado ao assistir à corrida global pelo carro elétrico quando há mais de 20 anos, aqui mesmo na garagem do meu prédio, dei várias voltas num carro 100% elétrico, 100% nacional, fabricado por uma empresa 100% nacional, de capital 100% nacional, desenvolvido por engenheiros 100% brasileiros com material e componentes 100% brasileiros e já testado e já fabricado em série e já vendido comercialmente e que já chegava sem maiores problemas aos 90km/h. João do Amaral Gurgel, o “pai” ou, melhor, “gladiador” do Itaipu, ouviu do seu examinador ao entregar como projeto – diferente do pedido – de final de curso, o projeto do primeiro carro 100% brasileiro a seguinte frase: “nós somos brasileiros, nós não inventamos carros, nós compramos carros”. Ele foi em frente e montou sua indústria aos poucos e aos trancos e barrancos enquanto, em paralelo, ia falindo também. Imaginem o Itaipu, se o projeto tivesse recebido sequencia, hoje, 20 anos depois.

É o discurso dos “cabeças-de-planilha” do Nassif, dos “intelectuais-de-conferências”, dos “acadêmicos-de-notas-de-rodapé”, dos “cientistas-de-peer-reviewed-journals”, dos “colunistas-de-entrelinhas” ou “jornalistas-ctr+c-ctrl+v”. Dos clubinhos, grupinhos, confrarias, movimentos.

É o discurso que nos leva a colocar nossos filhos em enfadonhas aulas de inglês, depois de espanhol, francês e italiano sucessivamente. Tudo para eles poderem, quando mais velhos, dizer em vários idiomas: “como meus pais eram burros!” Afinal, o que produz conhecimento, sabedoria, inovação, é a diversidade de perspectivas, a contraposição de visões, o cotejamento de versões. E para abarcar toda a barca da navegação do tal Ocidente pela história do aprendizado já nos basta o Espanhol (nossa língua-irmã quase gêmea) e o Inglês, com talvez um adorno, por capricho ou algum interesse ou objetivo específico, uma rebuscadinha no alemão ou francês. No mais, é tão somente redundância, chuva no molhado, incremento residual. Seria até válido, não houvesse um mundo inteiro a nos esperar. Mas nos cegamos – exceto quando alguém como, os Estados Unidos, por exemplo, nos acorda. O que pode nos fazer andar e, mais, saltar para o futuro são os novos e novíssimos (quando ancestrais mas mantidos ocultos, ignorados, indecifrados ou protegidos) mananciais de conhecimento em mandarim, árabe, russo, japonês, farsi, malaio (e suas variações que cobrem meio bilhão de pessoas), coreano, banto, swahili, turco e, um pouco menos, norueguês/sueco e/ou finlandês. Criar contingentes significativos no domínio desses idiomas e respectivas culturas e ciências relacionadas – inclusive através de acordos bilaterais de cooperação – tanto na base como no topo dos nossos sistemas educacionais precisa ser uma das preocupações centrais do planejamento nacional.

Em vez de nos preocuparmos em julgar o sistema sócio-político-econômico que só os próprios iranianos têm o direito a julgar, deveríamos aproveitar o isolamento que existe para que nossas universidades fossem das primeiras do mundo a estabelecer um diálogo consistente com a vibrante academia iraniana.

Diante das tragédias que se abateram sobre a região serrana do Rio de Janeiro fiquei impressionado em não ver nenhuma citação ao maior caso de sucesso dos últimos tempos em termos de alta tecnologia aplicada à gestão emergencial de catástrofes. Uma solução que nasceu no Quênia, em swahili, e em menos de 48 horas estava totalmente implantada – em ambiente oni-aberto, multimeios e totalmente colaborativo – salvando milhares de vidas em kréyol Ayisien e trazendo, por atração inercial a adesão imediata e crescente da industria da telefonia móvel, um engajamento incondicional de gigantes como o Google, o apoio precioso da academia estadunidense, um volume de participação cidadã sem precedentes em todo o Caribe, no México e, a níveis comoventes pela generosidade, nos Estados Unidos, e fazendo as Nações Unidas e diversas agências e ONGs abandonarem muito do que já haviam desenvolvido antes, muitas vezes ao custo de milhões. E tudo isso aconteceu numa velocidade impressionante, num espaço de dias.

É o discurso que nos leva a perguntar o que os Estados Unidos devem fazer em relação ao Egito?

Qual deve ser a posição do Ocidente com relação à Tunísia?

Que “Ocidente”, cara-pálida?

Se parece que fui longe demais e divaguei “na maionese” nas minha elucubrações, gostaria de começar agora e insistir e persistir mostrando e demonstrando que os conceitos muito bem sintetizados pelo poema do Prêmio Nobel da Literatura supracitado não andam só permeando subliminarmente como, mais do que que gostaríamos de admitir, dominando o discurso que não só os meios de comunicação ou os “impérios coloniais” mas que nós, também, os críticos da mídia e as colonizadas almas críticas dos “impérios coloniais” todos praticamos.

Há algum tempo, uma matéria especial do The Economist perguntava – com a naturalidade de quem pergunta se vai chover hoje ou a que horas será a próxima palestra no World Economic Forum – se, no caso de mesmo havendo mudanças radicais mas realizadas pacificamente nos regimes da Síria e do Irã, se “mesmo assim os Estados Unidos estariam à altura de arcar com o 'Fardo do Homem Branco' no Oriente Médio daqui para frente?” (America and empire | Manifest destiny warmed up? | The Economist | Edição Impressa | 14/08/2003). E a matéria cita por várias vezes nossa América Latina.

Em entrevista a Peter Hallward, o Exmo. Sr. ex-Presidente sequestrado-deposto-exilado do Ayiti Jean-Bertrand Aristide - independentemente aqui de toda e qualquer discussão sobre todos os mistérios e análises que envolvem a sua “alma” como líder, presidente e/ou “santo”/“monstro” -, dá uma aula sobre o funcionamento das “colônias” carcinogênicas de células nos organismos infectados ou, melhor, como esse colonialismo arraigado se expressa mesmo nos mais aparentemente independentes de nossos corações, almas e mentes pseudo-libertadas.

Desde as últimas eleições – aliás, antes, durante e depois – sempre que leio, vejo e ouço alguém falando tento observar o que ele(a) está carregando no seu discurso.

Se é “O Fardo do Homem Branco” (porque, é óbvio, o carregador do “Fardo do Homem Branco” - mesmo que o próprio “Homem Branco” acredite nesse conto -, sempre foi qualquer um menos ele, o “Homem Branco”). Em pelo menos 80% dos casos o maldito “Fardo” sempre está lá.

É muito mais por causa do “Fardo” e muito menos por causa da crise, que me preocupam as repercussões do Egito.

Egito que, em sequência à Tunísia, vive – na minha opinião - um dos mais fortes, exemplares e bonitos momentos da história humana destes dois séculos (XX e XXI) em que me foi dado viver, ainda que seja muito cedo para avaliar quaisquer desdobramentos.

Mas que, enfim, pode jogar por terra mais um regime canalha, mais um canalha serviçal.

E já está jogando terra sobre muitas mitologias odiosas que vêm sujando e incitando o mundo ao ódio com uma imagem falseada, que troca vítima por algoz, estigmatiza, violenta e desconstrói mais de 1 bilhão de pessoas, espalhadas por mais de 50 países, e uma vastidão de visões e interpretações de mundo, heranças culturais, científicas, filosóficas, espirituais, sejam milenares, em construção ou recém-nascentes, que poderiam estar sendo oferecidas e enriquecendo o mundo como sempre fizeram.

Burrice de quem não as quer aceitar.

Ou de nós todos que aceitamos que alguns não permitam que elas nos cheguem.

As repercussões que me preocupam estão, portanto, ligadas diretamente aos binários que apresentei:

  • ÓLEO & SANGUE

  • LOGÍSTICA & ARMAS

  • FEUDALISMO & "O FARDO DO HOMEM BRANCO"

Vivemos num Continente por demais rico e cada vez mais rico em ÓLEO (e em quase tudo mais que vai rareando mundo afora: água, biodiversidade etc – numa razão, inclusive, desproporcional imensamente a maior à sua população e território).

Vivemos num Continente por “de menos” ainda muito pobre em ARMAS.

Por um lado, desacostumado a conceitos tais como o de “derramar SANGUE pela Pátria”.

Por outro lado, acostumado, aculturado – principalmente por parte de suas elites – ao conceito do “FARDO DO HOMEM BRANCO”.

Estados que, mal ou bem, de um jeito ou outro, se libertaram do FEUDALISMO.

Economias que nem tanto ou, pelo menos, não em todo lugar.

E quanto à LOGÍSTICA, sempre estivemos bem mais perto e acessíveis.

Apenas nossas reservas não estavam, ou ainda não eram conhecidas em toda sua pujança.

Onde eram, inclusive, na Venezuela e um pouco na Bolívia, a história sempre foi um pouco diferente.

E somos uma fronteira olhando nos olhos da fronteira seguinte que é a África, já entre as garras da Águia e do Dragão.

Garras mais fortemente fincadas por aqui, podem significar grande vantagem na briga de foice – ou contra a foice – na outra margem do Atlântico.

Há muito, não consigo olhar para o discurso do ex-candidato José Serra, as intelectuais intervenções do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, as falas de muitas sumidades da academia ou do jornalismo, dos luminares tucanos ou das nulidades Democratas sem enxergar, sem ver mesmo na minha frente, escarrados, encarnados, esculpidos e cuspidos os personagens dos versos de Kipling:

“...gentes agitadas e selvagens...
...recém-capturados, carrancudos povos...
...meio-diabos e meio-crianças...”

E não consigo dissociar o recente bom desempenho das economias e sociedades sul-americanas, não somente da estabilidade democrática, da capacidade e do talento de alguns de nossos líderes mas também da benvinda ausência de nossos queridos e amados melhores aliados, amigos e defensores, atolados que andavam em areia e problemas até o pescoço.

Mas eis que eles resolvem sacudir do corpo a areia do deserto e experimentar a bem mais agradável areia de Macaé?

E resolvem vir nos ajudar a carregar nosso fardo?

E salvar nossa economia (como já fizeram antes via FMI) que vai bem mas poderia ir bem melhor como, aliás, PSDB e assemelhados vivem proclamando?

E nos defender de uma possível invasão, digamos, panamenha?

Ou dos fanáticos Fundamentalistas da jihad Bolivariana?

Enfim, e se vierem nos recivilizar?

O dinheiro já há muito está "descendo" a rodo para todas as ONGs, partidos, veículos, movimentos sociais, ambientais, de direitos humanos, religiosos e “democráticos” existentes e/ou fictícios da Venezuela.

E o ponto-de-equilíbrio do investimento está objetivamente planejado para o próximo ano em que “El Grande Ditador” Mais Eleito do Mundo enfrentará sua 13ª (um pouco mais ou menos) eleição consecutiva (todas avalizadas por observadores internacionais).

Em breve, teremos eleições também lá em cima e como disse o jornalista Paulo Henrique Amorim, vai que não dá reeleição...

Para que buraquinhos Sarah Palin ou similares irão apontar seus sedentos canudinhos?

Para que carnudas veinhas apontarão seus caninos protuberantes?

Que fardo-estivadores deste sofrido mundo decidirão aliviar?

Do Egito, esta é a única praga que temo.

Que o efeito dominó acelere a imperativa demanda do "Império Civilizador", após já ter civilizado os 10.000 anos da civilização de Imhotep, por civilizar novos mundo.

E Novo Mundo, até onde sei, somos nós mesmos.

A Secretaria de Estado dos Estados Unidos da América já declarou oficialmente que a América Latina é sua prioridade para os próximos dois anos ao lado da recuperação da posição de liderança dos Estados Unidos no cenário global.

Eu, sinceramente, recuso, refuto, rejeito, renego, repilo e expilo qualquer liderança.

E exijo, e faço questão de carregar meu imenso, pesado, sujo fardo sozinho.

Qualquer cidadão estadunidense, povo que adoro, a passeio ou negócios, seja benvindo.

Nada do Estado, nada do Governo, nada relativo a ajuda, por outro lado, será.

Pelo contrário, defendo com toda e ainda mais veemência a unidade sul-americana e sua aproximação com a África, o Mundo Árabe, o fortalecimento do BRICS, IBSA (e quaisquer conjuntos de letrinhas, com o mínimo de “U”s e “E”s, de preferência), Mercosur, UNASUR e a defesa inarredável da auto-determinação e soberania de toda e qualquer nação, por mais estranhos que seus hábitos e modelos me pareçam, e a reforma urgente e radical dos sistemas de governança e representação global sem a qual eles simplesmente nada representam em legitimidade.

Acima de tudo, por mais lento que o processo se apresente e utópica que a causa pareça, estou convicto de que vivemos “Tempos de Peteleco”: um daqueles raríssimos momentos da história em que tudo anda por um fio e um simples empurrãozinho, um “peteleco”, para lá ou para cá, pode fazer toda a diferença – e, portanto, estou em campanha aberta e franca contra toda e qualquer interferência de uma nação ou grupo de nações em outra ou sobre outro grupo de nações, sanções ou bloqueios de qualquer e por qualquer sorte, e qualquer presença de qualquer contingente militar ou artefato bélico para além das fronteiras de seu próprio país.

Só para começar!

O fluxo de capitais com destinação "político-empreendedora" vem logo a seguir.

LET'S CALL TROOPS BACK HOME!

Vejo como imprescindível o “cinturão bolivariano” que hoje nos cerca.

Vejo como imprescindível a auto-determinação e soberania do Irã.

E que nosso mar nunca se torne vermelho, nem morto.

E que a paz esteja sobre todo o povo do Egito.

E sobre todos nós.

Odoiá!

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por Guilherme de Alarcon Pereira
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Salvador, Bahia, 02 de fevereiro de 2010
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Dia de Yemanjá
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Mãe das Águas, Rainha do Mar.
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